Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

27.6.07

Inércia estudantil...
O movimento estudantil em São Paulo ameaçou sair do coma em que se encontra a décadas através da invasão da Reitoria da USP e de suas fotocópias reduzidas (tanto em prestígio quanto em importância) na UNESP e UNICAMP.
Aqueles grupelhos políticos cujos nomes formam siglas semelhantes a modelos de máquinas de Xerox ou congêneres ganharam holofotes em meio a uma discussão mais do que legítima sobre autonomia universitária e o centralismo ambicionado pelo governo Serra, mas usaram esse espaço precioso para brigas entre si e a repetição de frases feitas e palavras de ordem criadas no século passado (na época em que Michael Jackson não só era uma criança como também ainda era negro).
As invasões, os manifestos, as discussões acaloradas, o apoio de alguns docentes ao movimento estudantil surge como um deja vu que mostra como parte da juventude universitária sente saudade do que não viveu (acompanhada por alguns velhos militantes que não só viveram como foram embalsamados naquele momento), quer experimentar em forma de farsa em uma sociedade democrática aquilo que corajosamente foi enfrentado em uma ditadura militar, e pior, é incapaz de pensar em novas formas de se fazer política.
Enquanto muitos dos líderes estudantis da época gloriosa da contestação ao regime militar estavam sintonizados com sua época no enfrentamento entre capitalismo e comunismo, na luta pela democracia, contra o imperialismo, entre outras bandeiras, levando a radicalidade de sua luta para a exposição de sua vida ao perigo da perseguição, tortura e morte – tanto na ação institucional de oposição quanto na luta armada – as lideranças atuais, que na realidade lideram quase ninguém, estão anos-luz distantes das discussões políticas contemporâneas, enclausuradas em concepções e palavras de ordem que não são condizentes com os desafios do sistema democrático, da globalização, do neo-liberalismo, da questão ambiental, do multi-culturalismo, e outros, que mudaram radicalmente o mundo ao longo dos últimos 40 anos.
Discutir a universidade pública hoje não é só exigir autonomia universitária e ampliação de estruturas de apoio estudantil ou docente... é se questionar se ensino público e democrático significa universidade para todos ou ao alcance de todos, se o modelo proposto tem viabilidade educacional e econômico, se as políticas de assistência ao estudante ou de extensão social da universidade não estão criando um assistencialismo marcado por quem não tem o dever e os recursos de mantê-lo ou no mínimo sacrificando recursos das atividades fins de ensino e pesquisa, se é possível romper o corporativismo de funcionários e professores que impedem mudanças de gestão nas instituições, se a origem social dos discentes deve justificar formas diferenciadas de se encarar a idéia de universidade pública e gratuita, se existiriam outros modelos de incrementar a arrecadação de recursos para as instituições (como p. ex. uma contribuição de um pequeno percentual do imposto de renda dos ex-alunos), entre tantos outros temas...
Como disse Tom Jobim, em um artigo de 1987 publicado na Folha de São Paulo, sobre Villa-Lobos: “no Brasil as pessoas pensam que revolucionário usa camisa vermelha e toma drogas. Isso tudo é muito velho.”

25.6.07

INTERVALO QUASE MUSICAL:
Tinha eu 14 anos de idade,
Quando meu pai me chamou:
Perguntou-me se eu queria
Fazer parte da política
Do futebol ou ser pagodeiro?
Tinha eu que ter dinheiro...
Mas a minha aspiração
Era a pós-graduação
Para me tornar doutor.
Ele então me aconselhou:
Doutor não tem mais valor
O salário tá um horror...
E ser doutor,
Só prá quem não tem razão!
Vejo o ensino esquecido
E o saber diminuido
Em seu real valor...
Eu estou necessitado
Mas meu título suado
Eu não rasgo não senhor!

(Versão para o samba “14 anos”, do Paulinho da Viola)

17.6.07


INTERVALO LITERÁRIO: (José Paulo Paes, Filistesia)

E o amor, esse belo mas incauto animal? No quintal..
E a justiça , donzela de balança espada? vendada
E a honra, severo ornamento da sala? Na vala
E a hipocrisia, mascara para todo gosto? No rosto
Que rosto? O teu o meu o nosso filisteus.

15.6.07



Do porno-marxismo ao conservadorismo obsceno. (2)

Após a Revista VEJA publicar artigo sobre mãe que retirou filha da escola porque o material didático do Sistema de Ensino COC teria uma abordagem pornô-marxista, temas como mídia, escola, ensino, família, entre outros, ficam inquietos dentro de nosso baú de convicções.
Em relação à mídia ganha destaque por dois aspectos:
1) a divulgação da discordância da jornalista com os conteúdos escolares se iniciou em um site (e correu mundo na forma de e-mail reenviado por diversos leitores) e foi abordada em reportagem de renomada revista de circulação nacional, mostrando que a internet não é só válvula de escape para mal-amados de todos os tipos ou balcão de feira comercial, mas tem potencial de criar visibilidade para questões que nem sempre são abordadas nos diversos meios de comunicação, devido a sua ampla liberdade no processo de produção, interação e apropriação de temáticas e conteúdos, e
2) o tema é abordado a partir de um caso infeliz de falta de qualidade em material escolar no qual ganham notoriedade indivíduos (ou sites) cuja preocupação é discutir e questionar supostas situações de “doutrinação” no ensino (ou nas palavras do próprio “Escola sem Partido” levar adiante uma campanha “em prol da descontaminação ideológica das escolas brasileiras; um trabalho que visa, entre outros objetivos, a combater a demonização, nas salas de aula e nos livros didáticos, de atores sociais como os próprios empresários”).
Quanto ao mérito da questão do “porno-marxismo”, assim como diversos hoax (aqueles boatos que circulam por e-mail com teorias conspiratórias e falsas informações) entramos em contato com pessoas que se sentem ameaçadas pela conspiração esquerdista no ambiente de ensino – e não se referem à verdadeira doutrinação que é feita em escolas como as mantidas pelo MST em que, imagino, as trovas e cantigas infantis devam ser cantadas mais ou menos assim: “batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão, a terra improdutiva, merece nossa invasão!” ou “se esse INCRA, se esse INCRA fosse meu, eu mandava, eu mandava desapropriar, assentava todos os meus companheiros, só prá ver, só prá ver fazendeiro chorar!” – mas sim de escolas públicas e privadas, voltadas para a produção de mão de obra qualificada e desqualificada, para o emprego e o sub-emprego.
A ameaça do “porno-marxismo” no ensino não é real, porque isso seria o equivalente a existência de um grupo de intelectuais, professores, empresários de ensino e editores, conscientes de que o capitalismo está condenado mas ainda pode dar algum lucro, enxertando na mente de crianças inocentes, em uma concorrência feroz com outros setores culturais e econômicos (com suas marcas e publicidade), valores que desembocarão, na melhor hipótese, em uma revolução social ou, na pior hipótese, em uma discriminação contra os empresários por parte da sociedade brasileira.
Uma conspiração “porno-marxista” colocaria em matemática questões de regra de três entre quanto os bancos lucram anualmente e quanto se gasta com saúde e educação para as classes populares, pediria que se calculasse o que se pode pagar/comprar com um salário mínimo (ou mesmo com o salário base do setor comercial ou industrial de uma cidade ou região), em uma abordagem multidisciplinar os professores de geografia, física e biologia mostrariam as diferenças de gasto energético entre países ricos e pobres, no consumo energético de uma casa de classe média e de uma casa de pobre, e na quantidade de calorias e vitaminas na alimentação de diferentes classes sociais, os professores de gramática e literatura mostrariam as diferenças de capacidade de comunicação escrita entre alunos de colégios privados e públicos (ou pior, mostrariam os indicadores qualitativos das avaliações do ensino fundamental, médio e superior do Brasil, mostrando a farsa que a educação se transformou...), entre outras práticas doutrinárias possíveis – o que talvez mostrasse que as elites consomem mais energia, degradam mais o meio ambiente, tem acesso a bens fundamentais que são negados a imensa maioria da humanidade, que a educação não está cumprindo seu papel de conservação da cultura ou inclusão social, entre outras aberrações do sistema econômico e social vigente. Educação assim, como diria o Padre Quevedo, é coisa da sua imaginação, não existe!
O material citado é somente um material mal escrito, um texto muitas vezes panfletário e com problemas de conteúdo, enfoque e método, criado por alguém com formação intelectual e pedagógica com limitações que não o capacitam a tarefa de pensar ou propor como educar alguém e que, inadvertidamente, é consumido por milhares de pessoas –mas o mais trágico é que não é um caso isolado, existindo diversos livros e apostilas com erros factuais, redação comprometida, métodos inadequados, enfoques superados, entre outros problemas, não só em História, mas em diversas áreas.
O marxismo vulgar é uma temeridade, mas em termos historiográficos está sepultado a um bom tempo, e se muitos materiais didáticos apresentam problemas isso é mais uma questão de mercado do que de ideologia (a maioria das escolas hoje são mais um espaço de socialização do que aprendizagem, no qual as elites buscam a criação de uma rede de relações entre seus membros e as massas, sob a guarda do estado, sofre a contenção de corpos e desejos que se mantém domesticados durante algumas horas mesmo que analfabetos).
E, finalmente, materiais escolares são ferramentas e não moldes, dão elementos para a aprendizagem, que depende tanto da escola como do ambiente familiar, dos estímulos sociais, entre outros fatores, pois se a educação realmente tivesse esse poder de modelagem que muitos a ela creditam as escolas católicas criariam ex-alunos cristãos e o ambiente escolar seria capaz de libertar o homem de suas misérias das mais íntimas às coletivas, o que não parece estar acontecendo!Diversos materiais de ensino tem erros grosseiros, omissões lamentáveis, assim como concepções ideológicas diferenciadas, assim como os educadores, mas para além de pseudo-ameaças pornô-marxista ou sionista-marxista-homossexual, existe a ameaça real liberal-egoístico-neurótico-canalhista que se passa por ausência de ideologias, defesa da moralidade, luta pela qualidade de ensino, entre outras unanimidades.
Maior preocupação do que uma conspiração imaginária dos porno-marxistas é a real conspiração do conservadorismo obsceno que se assusta com os desafios que a realidade nos coloca e que propõe, em vez de resolvê-los, encobri-los. E tão grave quanto isso é a colaboração que esses conspiradores do conservadorismo obsceno recebem de adeptos das mais diferentes ideologias para o descarte da qualidade e da excelência da educação em prol da massificação e da miséria crítica.

(Imagem: cartaz polonês de um filme, retirado do site de cartazes http://www.poster.com.pl/ - muito muito muito bom!)

14.6.07


Do porno-marxismo ao conservadorismo obsceno. (1)


No distante ano de 1996 o escritor Bruno Tolentino, de origem aristocrática, autor de três livros (ignorados pela crítica, pela imprensa e pelo mercado) e com pretensões de erudição buscou a notoriedade ao criticar a presença de letras de MPB (de músicos como Caetano Veloso e Chico Buarque) nas práticas de ensino das aulas de literatura do colégio de seu filho, no Rio de Janeiro.
A Revista VEJA o entrevistou no dia 20 de março daquele ano, para que ele diagnosticasse o provincianismo cultural do país, a incompetência de suas universidades e a incapacidade de seus intelectuais, quando afirmou que a “cultura filosófica brasileira é quase nula” embora o país possua um passado de “vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província”, e que deseja “saber quem seqüestrou a inteligência brasileira”, porque somente ele poderia detectar tais absurdos uma vez que em termos de “independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu” (sic).
A partir de finais do século XIX e ao longo do XX ocorreram intensos debates intelectuais no Brasil e no exterior sobre como deveria ser a linguagem escrita, em que a conservação de uma pureza castiça se contrapunha à proximidade com as dinâmicas inovações criadas no interior de cada sociedade, ao mesmo tempo em que os mecanismos de produção e manutenção dos cânones literários, o conjunto de obras que se tornam clássicas como referências obrigatórias de uma cultura, foram explicitados na suas dimensões sociais e históricas, determinadas por processos culturais, econômicos, políticos, entre outros, que não estão ligados ao seu valor literário intrínseco (escritores que foram unanimidade em certas épocas em outras são solenemente ignorados, e vice-versa).
Dessa forma, a legitimidade de letras de MPB como fonte para o estudo da linguagem e da literatura deveria ser algo mais do que natural, por fazer parte do arsenal lingüístico e cultural no qual os membros da sociedade brasileira estabelecem suas interrelações, mas o escritor Bruno Tolentino usufruiu de seus quinze minutos de fama e a revista preencheu algumas de suas páginas dentro da pauta semanal.
Onze anos depois a Revista VEJA, um veículo de comunicação com enorme divulgação e poder que em seus últimos anos representa um desgaste injustificado de celulose, abre página para que uma jornalista, Mirian Macedo, autora de um texto intitulado “Luta sem Classe” - publicado em três sites: “Escola Sem Partido” ( http://www.escolasempartido.org/ ), “Mídia sem Máscara” ( http://www.midiasemmascara.org/ ) e “Usina de Letras” ( http://www.usinadeletras.com.br/ ) - exponha os motivos que lhe fizeram retirar a filha de uma escola que usaria material didático de História de caráter “pornô-marxista” ( http://veja.abril.com.br/130607/p_078.shtml ).
A escola anunciou a troca do material escolar, do Sistema de Ensino COC (que mantém convênio com mais de duzentos estabelecimentos escolares no país, fornecendo material didático para mais de duzentos mil alunos), o empresário que coordena a produção do material se desculpou pelos erros de texto ou factuais apontados, e a jornalista surge como modelo de mãe participativa que protege a filha contra a barbárie educacional (que infelizmente é predominante em muitas escolas nas quais a educação é reduzida a um simples produto de consumo, uma espécie de fast-food pedagógico no qual o empresário da educação é muito mais empresário do que educador).
O texto da revista deixa entrever alguns erros do referido material, o que não seria exclusividade deste em particular, mas também de outros sistemas de ensino e de diversos livros didáticos – o que poderia ser algo rico para ser abordado, mostrando outros exemplos de equívocos de conteúdo ou método.
A VEJA vaticina: “Apostilas e livros didáticos adotados pelas escolas brasileiras estão contaminados pela doutrinação política esquerdizante. Resume o sociólogo Simon Schwartzman: ´As crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar.´”
Essa discussão tem o mérito de colocar no centro das atenções algumas questões que merecem ser constantemente lembradas: papel da mídia, função da escola, qualidade de ensino, participação dos pais na educação de seus filhos, entre outros.
(Imagem de uma das camisetas do site www.tcritic.com - um blog que mostra camisetas do mundo todo e tem uma interessante disputa entre qual delas tem as estampas mais criativas ou inteligentes.)