Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

14.6.07


Do porno-marxismo ao conservadorismo obsceno. (1)


No distante ano de 1996 o escritor Bruno Tolentino, de origem aristocrática, autor de três livros (ignorados pela crítica, pela imprensa e pelo mercado) e com pretensões de erudição buscou a notoriedade ao criticar a presença de letras de MPB (de músicos como Caetano Veloso e Chico Buarque) nas práticas de ensino das aulas de literatura do colégio de seu filho, no Rio de Janeiro.
A Revista VEJA o entrevistou no dia 20 de março daquele ano, para que ele diagnosticasse o provincianismo cultural do país, a incompetência de suas universidades e a incapacidade de seus intelectuais, quando afirmou que a “cultura filosófica brasileira é quase nula” embora o país possua um passado de “vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província”, e que deseja “saber quem seqüestrou a inteligência brasileira”, porque somente ele poderia detectar tais absurdos uma vez que em termos de “independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu” (sic).
A partir de finais do século XIX e ao longo do XX ocorreram intensos debates intelectuais no Brasil e no exterior sobre como deveria ser a linguagem escrita, em que a conservação de uma pureza castiça se contrapunha à proximidade com as dinâmicas inovações criadas no interior de cada sociedade, ao mesmo tempo em que os mecanismos de produção e manutenção dos cânones literários, o conjunto de obras que se tornam clássicas como referências obrigatórias de uma cultura, foram explicitados na suas dimensões sociais e históricas, determinadas por processos culturais, econômicos, políticos, entre outros, que não estão ligados ao seu valor literário intrínseco (escritores que foram unanimidade em certas épocas em outras são solenemente ignorados, e vice-versa).
Dessa forma, a legitimidade de letras de MPB como fonte para o estudo da linguagem e da literatura deveria ser algo mais do que natural, por fazer parte do arsenal lingüístico e cultural no qual os membros da sociedade brasileira estabelecem suas interrelações, mas o escritor Bruno Tolentino usufruiu de seus quinze minutos de fama e a revista preencheu algumas de suas páginas dentro da pauta semanal.
Onze anos depois a Revista VEJA, um veículo de comunicação com enorme divulgação e poder que em seus últimos anos representa um desgaste injustificado de celulose, abre página para que uma jornalista, Mirian Macedo, autora de um texto intitulado “Luta sem Classe” - publicado em três sites: “Escola Sem Partido” ( http://www.escolasempartido.org/ ), “Mídia sem Máscara” ( http://www.midiasemmascara.org/ ) e “Usina de Letras” ( http://www.usinadeletras.com.br/ ) - exponha os motivos que lhe fizeram retirar a filha de uma escola que usaria material didático de História de caráter “pornô-marxista” ( http://veja.abril.com.br/130607/p_078.shtml ).
A escola anunciou a troca do material escolar, do Sistema de Ensino COC (que mantém convênio com mais de duzentos estabelecimentos escolares no país, fornecendo material didático para mais de duzentos mil alunos), o empresário que coordena a produção do material se desculpou pelos erros de texto ou factuais apontados, e a jornalista surge como modelo de mãe participativa que protege a filha contra a barbárie educacional (que infelizmente é predominante em muitas escolas nas quais a educação é reduzida a um simples produto de consumo, uma espécie de fast-food pedagógico no qual o empresário da educação é muito mais empresário do que educador).
O texto da revista deixa entrever alguns erros do referido material, o que não seria exclusividade deste em particular, mas também de outros sistemas de ensino e de diversos livros didáticos – o que poderia ser algo rico para ser abordado, mostrando outros exemplos de equívocos de conteúdo ou método.
A VEJA vaticina: “Apostilas e livros didáticos adotados pelas escolas brasileiras estão contaminados pela doutrinação política esquerdizante. Resume o sociólogo Simon Schwartzman: ´As crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar.´”
Essa discussão tem o mérito de colocar no centro das atenções algumas questões que merecem ser constantemente lembradas: papel da mídia, função da escola, qualidade de ensino, participação dos pais na educação de seus filhos, entre outros.
(Imagem de uma das camisetas do site www.tcritic.com - um blog que mostra camisetas do mundo todo e tem uma interessante disputa entre qual delas tem as estampas mais criativas ou inteligentes.)