Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

5.9.06


Quem não entende, quem entende e quem é entendido...

Se todos soubessem como cada um transa, ninguém se cumprimentava. A afirmação inspirada de Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, chama a atenção para o medo, a atração, o asco, a excitação, o risco, a anarquia e a loucura que o desejo do outro pode nos apresentar.

A natureza dotou os seres humanos de dois tipos de órgãos sexuais, o pênis do menino (seu primeiro brinquedo de armar) e a vagina da menina (a sua caixinha de surpresas), que foram ganhando diferentes nomes ao longo dos tempos e lugares (como diz o poeta José Honório em dois poemas fesceninos):

“Peia, cipó, mandioca, /carabina, prego e talo, /estaca, pica, badalo, /sarrafo, pomba, biloca, /pinto, manjuba, piroca, /vergalhão, também mangalho, / lingüiça, cajado, malho, / nervo, trabuco, bilola, / JOÃO DOIDO, CACETE, ROLA... / TUDO É NOME DO CARALHO.”

“Vagina, papuda, greta, / xanha, lasca, racha e fruta, / tabaco, chibiu e gruta, / fenda, bainha e buceta, / desejada, cara-preta, /e bacurinha também / é vizinha do sedém / talho, pipiu e xiranha, / XIRI, PERERECA, ARANHA / QUANTO NOME A BRECHA TEM.”

No entanto, a cultura, produto das muitas relações entre natureza, necessidade e vontade, permitiu uma infinidade de relações desse diferentes nomes uns com os outros e entre si, de forma que sodomitas, gays, invertidos, monas, bibas, lésbicas, sapatas, sandalinhas, entendidos, bichas, loucas, butis, bonecas, gls’s e outras etiquetas para definir as formas de relacionamento entre pessoas que buscam parceiros do mesmo sexo biológico passam a ser uma pequena parte das infinitas manifestações da sexualidade humana, extremamente diversa, fragmentária e dinâmica. (A Enciclopédia de Práticas Sexuais, de Brenda Love, editado pela Gryphus, oferece uma didática lista da heterodoxia sexual humana, de tal forma extensa e detalhada que quaisquer que sejam as opções e práticas do leitor, este poderá descobrir sua relativa inocência ou ignorância, assim como seus preconceitos, limites ou possibilidades.)

Estudos nas ciências humanas sobre a homossexualidade tem uma bibliografia bastante significativa no Brasil, particularmente no caso da homossexulidade masculina (o que também ocorre na literatura, vide O Ateneu, de Raul Pompéia, Dona Sinhá e o Filho Padre, de Gilberto Freyre, O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, Cristo Partido ao meio, de Aguinaldo Silva, ou o exemplo de relação lésbica presente em Ciranda de Pedra, de Lygia Fangundes Telles, entre outros livros), em trabalhos que analisam a homossexualidade no passado (os diversos trabalhos do professor Luiz Mott, da UFBA, são um excelente exemplo dessa vertente), a formação da identidade sexual (como o estudo de James Green, Além do Carnaval, editado pela UNESP), a situação sócio-cultural dos travestis (Don Kulick, Travesti, da Chicago University Press) ou o movimento homossexual (Richard Parker, Abaixo do Equador: culturas do desejo, homossexualidade masculina e comunidade gay, editado pela Record), etc. etc. etc. , capazes de informar quem não entende, quem entende e quem é entendido!

O “orgulho gay” que se explicita em passeatas gigantescas nos grandes centros, no entanto, ainda está longe de eliminar a homofobia, embora já tenha sido capaz de anular muitos dos estigmas atribuídos ao homossexual – mesmo porque quando se percebe que sexo é poder e a luta pelo poder está diluída em muitos níveis do social, entre diferentes atores e práticas, é fácil concordar com a afirmação de feministas de que se os homens engravidassem o aborto seria um sacramento, ou de um militante gay de que se normalidade fosse algo criado pela maioria matemática, sexo normal seria a masturbação.

Talvez o grande desafio para heteros, homos, bis, e todos os rótulos sexuais possíveis que envolvam atividades eróticas consentidas entre adultos, seja construir o respeito pela diferença, manter suas identidades e evitar a normatização (em um processo em que não importará mais com quem se faz sexo, mas a forma como se faz sexo ou o papel que o sexo em da modo de vida, como resultado de uma domesticação do desejo, mais uma forma de ligação do indivíduo com Matrix!).

Que essa força anárquica que é o desejo não permita ao homem esquecer o que disse Bertod Brecht em um de seus poemas eróticos (que pessoalmente acho melhores do que os mais conhecidos, de cunho político bolchevique): “Do homem a arte é foder e pensar.”

Artigo publicado em Pronto! Revista de Cultura [ http://www.revistapronto.com.br/ ], em 24/08/2006, ilustração Nú e mãos, de Jan Saudek.