Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

3.9.06

Os filhos de Ismael e Isaac.

A origem mítica de árabes e israelenses remonta ao Gênesis, no Velho Testamento, quando Abraão tem dois filhos, Ismael, com sua escrava Agar, e Isaac, com sua mulher Sara, sendo que o primeiro foi expulso de casa junto com sua mãe, em direção ao deserto, formando a tribo dos ismaelitas (da qual os árabes descenderiam), e o segundo se tornou o herdeiro legitimado (e referencial de origem da comunidade judaica).
Historicamente, desde quatro mil anos antes de Cristo tribos semitas se fixaram na região do Oriente Médio conhecida como Canaã, mais tarde chamada Palestina, sendo que os hebreus, uma das tribos semitas, ali chegaram sob o comando de Abraão cerca de dois mil anos após os primeiros grupos.
A Palestina, na Antiguidade, foi dominada seguidamente por macedônicos, romanos e bizantinos (sendo que se destaca a expulsão dos hebreus da região pelos romanos no século II d. C. , episódio conhecido como Diáspora Hebraica), e posteriormente, na Idade Média, por persas e árabes (esses últimos também semitas) que unificaram a região através do idioma e do islamismo, enquanto os judeus se encontravam espalhados pelo mundo.
Entre o século XVI e o início do XX a região esteve sob o domínio do Império Turco Otomano, o que se alterou a partir da Primeira Guerra Mundial quando este foi derrotado e cedeu o controle da região para a Inglaterra.
O século XIX assistiu ao surgimento de movimentos nacionalistas árabes no Oriente Médio e do Sionismo, movimento político hebraico que propunha a criação de um Estado Judeu na Palestina, para abrigar os judeus dispersos pelos diferentes cantos do globo, através da aquisição de terras na região (origem de sérios conflitos entre os tradicionais e os novos habitantes).
O Sionismo, a luta pela formação da nação judaica na Palestina, significa não só um movimento de resgate de raízes históricas de um povo que manteve suas tradições e língua ao longo de quase dois mil anos sem um território, mas também a promessa da construção de uma proteção para homens e mulheres cujas seguidas gerações anteriores sofreram perseguições anti-semitas (com movimentos de ordem religiosa, política, econômica e racial, que impunham o segregacionismo material e cultural aos judeus, bem como a limitação de seus direitos de cidadania) justificadas pela intolerância com a manutenção da sua identidade religiosa, seu alto nível relativo de escolaridade e renda frente aos povos das regiões em que se fixaram, suas particularidades culturais e seu enorme esforço de preservação de seus costumes ancestrais. (Um livro da década de oitenta listava os quinhentos judeus mais importantes da História, e nomes como Abraão, Jesus Cristo, Einstein, Freud, entre outros torna a lista um desfile de poder, talento, poder e perseverança.)
Por outro lado, a população palestina desenvolveu, a partir do século XIX, um forte sentimento anti-semita em relação aos judeus que migravam para a Palestina, fundamentando-se na questão religiosa (o Alcorão faz referência direta aos judeus como um povo não confiável, formado por elementos minoritários e que precisa ser mantido sob domínio), na perda da posse da terra (uma vez que a economia de subsistência dos palestinos foi facilmente superada pela quantidade de recursos dos judeus que imigraram para a região) e no modo de vida “ocidentalizado” de seus novos vizinhos.
Após a Segunda Guerra Mundial a imigração judaica para a Palestina cresce vertiginosamente, enquanto que em 1945 as nações árabes da região buscam implementar um projeto coeso de política externa para o Oriente Médio através da criação da Liga Árabe (congregando Argélia, Egito, Arábia Saudita, Iraque, Jordânia, Iêmen, Síria e Líbia) ao mesmo tmepo em que as Nações Unidas resolveram em 1947 dividir o território palestino formando Estados independentes e uma zona neutra em Jerusalém, ficando a população palestina (de cerca de um milhão e trezentos mil habitantes) com 11.500 Km2, enquanto a população hebraica (cerca de 700.000 habitantes) recebeu 14.500 Km2, o que levou a Liga Árabe a atacar Jerusalém e ocupar a Galiléia ao norte, enquanto o líder sionista David Ben Gurión proclama a fundação do Estado de Israel e comanda a retaliação com as tropas do novo país, que se torna vitorioso em seu primeiro conflito regional, ampliando a área israelense para 20.900 Km2, dividindo Jerusalém (com 105.000 árabes e 100.000 judeus) entre Jordânia (setor oriental) e Israel, ao mesmo tempo em que seiscentos mil palestinos saem da região, para países vizinhos.
Novos conflitos ocorreram entre Israel e seus vizinhos árabes, com seguidas vitórias israelenses, permitindo ampliar as áreas sob o controle hebraico para 89.489 Km2: o Egito (a Guerra do Sinai, em 1956), a coligação de Egito, Síria e Jordânia (a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando os judeus ampliaram seu controle militar sobre a península do Sinai, do Egito, Gaza e Cisjordânia, últimos territórios controlados pelos palestinos, e as colinas de Golam, da Síria, ampliando o número de palestinos que fugiram para países árabes para mais de um milhão de pessoas), e ainda o Egito e a Síria (a Guerra do Yom Kippur, em 1973).
Sob a interferência dos Estados Unidos, da União Soviética e da ONU, foram feitos acordos de paz em 1.973, 1974 e 1.975 entre árabes e judeus, sendo que alguns dos mais importantes foram os Acordos de Camp David , de 1978, assinados pelo presidente do Egito, Anuar Sadat, e pelo primeiro-ministro de Israel, Menahem Begin (que estabeleceu a retirada das tropas judaicas e a devolução do Sinai ao Egito, para 1982, concedeu autonomia limitada aos palestinos de Gaza e da Cisjordânia e manteve as colônias judaicas existentes nesses territórios), a Conferência Internacional de Paz para o Oriente Médio, de 1991, em Madri, entre judeus e palestinos (representados pela OLP, Organização para a Libertação da Palestina), e os Acordos de Oslo, de 1993, nos quais Yasser Arafat, representante dos palestinos, e Isaac Rabin, premiê israelense, assinaram a Declaração de Princípios de Washington, que incluiu o reconhecimento de Israel, a autonomia da Cisjordânia e de Gaza e as bases do futuro estatuto de Jerusalém.
No entanto, o “ressentimento ilimitado” entre judeus e palestinos tem funcionado como um poderoso combustível para o reaparecimento de conflitos, que se alastram para as regiões vizinhas, em que facções fundamentalistas islâmicas (como o Gammaat-i-Islamia, no Egito, a Frente Islâmica de Salvação - FIS, na Argélia, a milícia xiita libanesa Hezbollah – palavra que significa ”Partido de Deus”, e o grupo palestino Hamas) e os partidos políticos de Israel (o Trabalhista, que apóia a paz, e o Likud, que não aceita a negociação) vociferam em meio a atentados terroristas contra alvos israelenses e ações militares judaicas contra instalações e campos de refugiados palestinos.
A superação de conflitos entre palestinos e israelenses, com intervenções da ONU, dos EUA e dos países árabes, se mostra instável, pois os interesses internacionais (ou a falta deles) na região e a intolerância mútua permitem imaginar que Isaac odeia Malik, que odeia Davi, que odeia Faruq, que odeia Ariel, que odeia Yasser, que odeia Efraim que junto com Muhammad tentam viver em paz entre atentados e bombardeios.

(Artigo publicado em Pronto! Revista de Cultura [ http://www.revistapronto.com.br/ ], em 16/08/2006)