Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

15.6.07



Do porno-marxismo ao conservadorismo obsceno. (2)

Após a Revista VEJA publicar artigo sobre mãe que retirou filha da escola porque o material didático do Sistema de Ensino COC teria uma abordagem pornô-marxista, temas como mídia, escola, ensino, família, entre outros, ficam inquietos dentro de nosso baú de convicções.
Em relação à mídia ganha destaque por dois aspectos:
1) a divulgação da discordância da jornalista com os conteúdos escolares se iniciou em um site (e correu mundo na forma de e-mail reenviado por diversos leitores) e foi abordada em reportagem de renomada revista de circulação nacional, mostrando que a internet não é só válvula de escape para mal-amados de todos os tipos ou balcão de feira comercial, mas tem potencial de criar visibilidade para questões que nem sempre são abordadas nos diversos meios de comunicação, devido a sua ampla liberdade no processo de produção, interação e apropriação de temáticas e conteúdos, e
2) o tema é abordado a partir de um caso infeliz de falta de qualidade em material escolar no qual ganham notoriedade indivíduos (ou sites) cuja preocupação é discutir e questionar supostas situações de “doutrinação” no ensino (ou nas palavras do próprio “Escola sem Partido” levar adiante uma campanha “em prol da descontaminação ideológica das escolas brasileiras; um trabalho que visa, entre outros objetivos, a combater a demonização, nas salas de aula e nos livros didáticos, de atores sociais como os próprios empresários”).
Quanto ao mérito da questão do “porno-marxismo”, assim como diversos hoax (aqueles boatos que circulam por e-mail com teorias conspiratórias e falsas informações) entramos em contato com pessoas que se sentem ameaçadas pela conspiração esquerdista no ambiente de ensino – e não se referem à verdadeira doutrinação que é feita em escolas como as mantidas pelo MST em que, imagino, as trovas e cantigas infantis devam ser cantadas mais ou menos assim: “batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão, a terra improdutiva, merece nossa invasão!” ou “se esse INCRA, se esse INCRA fosse meu, eu mandava, eu mandava desapropriar, assentava todos os meus companheiros, só prá ver, só prá ver fazendeiro chorar!” – mas sim de escolas públicas e privadas, voltadas para a produção de mão de obra qualificada e desqualificada, para o emprego e o sub-emprego.
A ameaça do “porno-marxismo” no ensino não é real, porque isso seria o equivalente a existência de um grupo de intelectuais, professores, empresários de ensino e editores, conscientes de que o capitalismo está condenado mas ainda pode dar algum lucro, enxertando na mente de crianças inocentes, em uma concorrência feroz com outros setores culturais e econômicos (com suas marcas e publicidade), valores que desembocarão, na melhor hipótese, em uma revolução social ou, na pior hipótese, em uma discriminação contra os empresários por parte da sociedade brasileira.
Uma conspiração “porno-marxista” colocaria em matemática questões de regra de três entre quanto os bancos lucram anualmente e quanto se gasta com saúde e educação para as classes populares, pediria que se calculasse o que se pode pagar/comprar com um salário mínimo (ou mesmo com o salário base do setor comercial ou industrial de uma cidade ou região), em uma abordagem multidisciplinar os professores de geografia, física e biologia mostrariam as diferenças de gasto energético entre países ricos e pobres, no consumo energético de uma casa de classe média e de uma casa de pobre, e na quantidade de calorias e vitaminas na alimentação de diferentes classes sociais, os professores de gramática e literatura mostrariam as diferenças de capacidade de comunicação escrita entre alunos de colégios privados e públicos (ou pior, mostrariam os indicadores qualitativos das avaliações do ensino fundamental, médio e superior do Brasil, mostrando a farsa que a educação se transformou...), entre outras práticas doutrinárias possíveis – o que talvez mostrasse que as elites consomem mais energia, degradam mais o meio ambiente, tem acesso a bens fundamentais que são negados a imensa maioria da humanidade, que a educação não está cumprindo seu papel de conservação da cultura ou inclusão social, entre outras aberrações do sistema econômico e social vigente. Educação assim, como diria o Padre Quevedo, é coisa da sua imaginação, não existe!
O material citado é somente um material mal escrito, um texto muitas vezes panfletário e com problemas de conteúdo, enfoque e método, criado por alguém com formação intelectual e pedagógica com limitações que não o capacitam a tarefa de pensar ou propor como educar alguém e que, inadvertidamente, é consumido por milhares de pessoas –mas o mais trágico é que não é um caso isolado, existindo diversos livros e apostilas com erros factuais, redação comprometida, métodos inadequados, enfoques superados, entre outros problemas, não só em História, mas em diversas áreas.
O marxismo vulgar é uma temeridade, mas em termos historiográficos está sepultado a um bom tempo, e se muitos materiais didáticos apresentam problemas isso é mais uma questão de mercado do que de ideologia (a maioria das escolas hoje são mais um espaço de socialização do que aprendizagem, no qual as elites buscam a criação de uma rede de relações entre seus membros e as massas, sob a guarda do estado, sofre a contenção de corpos e desejos que se mantém domesticados durante algumas horas mesmo que analfabetos).
E, finalmente, materiais escolares são ferramentas e não moldes, dão elementos para a aprendizagem, que depende tanto da escola como do ambiente familiar, dos estímulos sociais, entre outros fatores, pois se a educação realmente tivesse esse poder de modelagem que muitos a ela creditam as escolas católicas criariam ex-alunos cristãos e o ambiente escolar seria capaz de libertar o homem de suas misérias das mais íntimas às coletivas, o que não parece estar acontecendo!Diversos materiais de ensino tem erros grosseiros, omissões lamentáveis, assim como concepções ideológicas diferenciadas, assim como os educadores, mas para além de pseudo-ameaças pornô-marxista ou sionista-marxista-homossexual, existe a ameaça real liberal-egoístico-neurótico-canalhista que se passa por ausência de ideologias, defesa da moralidade, luta pela qualidade de ensino, entre outras unanimidades.
Maior preocupação do que uma conspiração imaginária dos porno-marxistas é a real conspiração do conservadorismo obsceno que se assusta com os desafios que a realidade nos coloca e que propõe, em vez de resolvê-los, encobri-los. E tão grave quanto isso é a colaboração que esses conspiradores do conservadorismo obsceno recebem de adeptos das mais diferentes ideologias para o descarte da qualidade e da excelência da educação em prol da massificação e da miséria crítica.

(Imagem: cartaz polonês de um filme, retirado do site de cartazes http://www.poster.com.pl/ - muito muito muito bom!)