Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

4.3.07



Aviso aos bixos, calouros e simpatizantes.


Fui convidado para brevemente dar uma aula inaugural para o Curso de História da UNESP, onde leciono. A aula inaugural é aquele ritual através do qual um professor é escolhido para receber em sua instituição os novos alunos e estou a me perguntar se eu deveria dar as boas ou as más notícias aos que chegavam...?

As boas notícias seriam: em recente levantamento feito pelo Instituto de Educação Superior da Universidade de Jiao Tong, em Shangai, foi divulgado um ranking das 500 melhores universidades do mundo e nele foram incluídas quatro instituições brasileiras (UFRJ, USP, UNICAMP e UNESP), sendo que, portanto, três eram de São Paulo e uma delas era aquela na qual eles ingressavam; o ambiente universitário promete oferecer uma ruptura do “dize-me de onde vens e eu te direi quem és” e o convívio de “homens afáveis, instruídos e espirituosos”; o ensino superior significa uma preparação efetiva para a qualificação profissional e ao seu fim o aluno está preparado para ingressar no mercado de trabalho; as instituições públicas de ensino são dotadas de uma estrutura invejável e de um corpo docente extremamente qualificado; entre outras coisas que poderiam enchê-los de esperanças e ambições.

As más notícias seriam: entre as dez melhores universidades do mundo, oito são dos EUA e duas da Inglaterra, sendo que o Brasil ocupa a 22ª posição se o ranking for estabelecido em termos de países; tanto as universidades federais quanto as estaduais paulistas são pressionadas para ampliarem seu número de vagas de graduação e pós-graduação sem que o montante de recursos financeiros e humanos atendam tais necessidades, o que pode significar o comprometimento da qualidade desfrutada em anos passados (ou seja, os alunos ingressantes não terão acesso as mesmas condições que geraram a excelência dos anos anteriores, sendo herdeiros de um período de desgaste/decadência); a ampliação das universidades paulistas tem atendido mais critérios políticos partidários do que administrativos ou acadêmicos sendo que no entanto suas verbas, atreladas ao ICMS no Estado, tem sofrido limitações e se mostram insuficientes o que levou tais instituições a paralisarem seus processos de ampliação de cursos e vagas por falta de recursos,; a criação da Secretaria de Ensino Superior pelo governador José Serra é vista por alguns setores das universidades públicas paulistas como o início de um processo de limitação da autonomia universitária; o desgaste do ensino médio tem oferecido um corpo discente com formação cada vez mais limitada para o ingresso no ensino superior (e na rede privada surgem distorções curiosas: as faculdades/centros universitários/universidades particulares oferecem mecanismos de nivelamento – ou seja, cursos elementares para dar ao aluno ingressante em um vestibular com mais vagas do que candidatos uma formação mínima necessária para que ele entenda as aulas a que será submetido, e após formados, algumas áreas oferecem cursos de preparação para o exercício profissional ou para complementação de formação, como os mais conhecidos voltados para o bacharéis em Direito e os menos conhecidos para se prestarem à residência médica!; o país aumentou vertiginosamente seu número de mestres e doutores, embora o mercado de trabalho não esteja preparado para absorvê-los, existindo milhares de doutores desempregados no país; um professor com doutorado em universidade pública ganha, em média, 15% a mais que um policial federal, 65% do que recebe um delegado da mesma instituição, 35% do salário de um juiz e 28% dos vencimentos de um promotor do ministério público (cargos que exigem curso superior e vencimentos informados por site de concursos da UnB); etc, etc. etc.

Como sempre temo que costumes antigos sejam ressuscitados, e degolar o portador de más notícias pode voltar a ser usual, me manterei nas boas notícias, mesmo porque quando estes alunos que ingressam agora nessa aventura pessoal e intelectual que é a universidade se formarem, tudo poderá ser diferente. Ou não.


(Publicado na Pronto! Revista eletrônica de Cultura, www.revistapronto.com.br , no dia 02/02/2007. Ilustração: Tira do Laerte, da FSP)