Mi Ojo Viejo

Mentiras lindas em palavras lindas, preparadas no calor da hora, temperadas com idéias rápidas para se saborear sem pressa...

28.7.07


Trabalho e ciência.

Há uma piada antiga que narra o encontro entre um motorista que se perdeu em estradas vicinais de Minas Gerais e um daqueles mineirinhos, que ao mesmo tempo são simplórios, matuto e matreiros... o motorista para o carro ao lado do mineirinho que está sentado na beira da estrada e pergunta: Por favor, moço, se eu continuar andando reto nessa estrada, eu vou chegar aonde? O mineirinho, olhando para baixo, com voz baixa, responde: “O senhor me desculpa, mais eu num sei!” O motorista então pergunta: “E se em vez de seguir reto, eu virar para a direita?” O mineirinho, do mesmo jeito: “O senhor vai tê que me adesculpá, mais também num sei!” O motorista tenta mais uma vez: “E se eu virar à esquerda?” O mineirinho: “Óia, num é má-vontade... é qu´eu também num sei!” O motorista: “Nossa! O senhor não sabe nada!” O mineirinho, olha para o motorista e diz: “Num sei, mas num tô perdido!”

A relação entre ensino e pesquisa, ou entre trabalho e ciência, parece muitas vezes reproduzir essa situação...

O contraste entre os perfís das universidades públicas e privadas são muitas vezes justificados pela relação que esses dois tipos de instituições de ensino tem com o mercado de trabalho. Em geral, a instituição pública de ensino superior, na maioria de seus cursos, prioriza como atividade fim a pesquisa – mesmo porque os critérios de mérito na seleção e formação de seu corpo docente esta ligado diretamente às atividades dessa natureza... e as instituições particulares de ensino superior, diretamente pressionadas pela questão da viabilização econômica e da busca do lucro de seus cursos, buscam garantir um nível de empregabilidade para seus alunos que torne minimamente atrativo o investimento financeiro e humano que é o pagamento da formação escolar-profissional, sendo que boa parte do corpo docente dessas instituições está ligado às práticas do mercado de trabalho...

A própria gestão pública da educação entende essas diferenças como algo natural, e distingue as instituições de ensino e seus cursos em faculdades, centro universitários e universidades, assim como faculdades tecnológicas, a partir de aspectos particulares, físicos e institucionais, de acordo com expectativas distintas.

As escolhas de gestão refletem, como no caso do “cobertor de pobre”, o dilema entre cobrir os pés ou a cabeça, ou seja, satisfazer certas necessidades e expectativas ao mesmo tempo em que se descartam outras possibilidades.

Se o Estado não buscar incrementar cursos superiores voltados a profissionalização, deixa uma significativa parcela da população sem condições de desenvolverem sua empregabilidade, ao mesmo tempo em que garante às instituições de ensino privadas um efetivo monopólio (e uma considerável fonte de lucro) sobre esse setor do ensino. Se o Estado, com seus recursos limitados e mal-alocados (o que é uma tradição na Terra dos Papagaios), investe em ensino de natureza profissionalizante, o ensino voltado à pesquisa é sacrificado através da diminuição de verbas e recursos. Se a universidade pública reforça somente seu compromisso com a pesquisa, mantém seu elitismo e não cumpre seu papel social, dando a sociedade a contribuição necessária e esperada. Se a universidade pública busca somente a aproximação com as necessidades do mercado, formando apenas mão-de-obra qualificada, restringe o avanço tecnológico nacional e entra em contradição com sua trajetória histórica e cultura interna. Como a possibilidade do ensino privado se dedicar a pesquisa é realmente muito remota, quer pelos custos, quer pelo longo prazo que essa atividade exige, as instituições privadas de ensino, em sua imensa maioria, não enfrentam a difícil escolha entre que tipo de formação oferecer...

Como disse Gide uma vez: “é obrigação do guarda é vigiar de forma total o preso, e a do preso, buscar a fuga à todo momento!” nas dobras entre necessidade e possibilidade, Estado e capital, ensino e mercado, as opções vão se apresentando, modificando e se perdendo sem que sempre isso seja percebido por aqueles que estão dentro e por aqueles que estão fora dessas disputas.